quinta-feira, 24 de maio de 2012

O boxe não foi à lona

Matéria publicada em 20/10/2011 na Revista Veja pelo jornalista Aiuri Rebello

Pelo ringue da “Forja dos Campeões”, o mais tradicional campeonato de boxe amador do país, passaram Eder Jofre, em 1953, e Maguila, em 1980


Everton Lopes durante luta contra o ucraniano Denis Berinchyc, no Azerbaijão, em 08/10/2011
Anderson Araújo, 31 anos, sabe do que o primeiro brasileiro a ganhar um Mundial de Boxe Olímpico está falando quando conta as dificuldades que teve no começo da carreira. Assim como Everton Lopes, 23 anos, dividia o tempo entre o ringue e o lava-rápido, Araújo alterna o boxe com o trabalho de motoboy. Convertido recentemente ao esporte, revelou-se bom de briga. Em janeiro de 2012, vai estrear na “Forja dos Campeões”, o mais tradicional campeonato de boxe amador do país, criado em 1942 – até 1960, chamava-se “Campeonato Popular de Boxe Amador da Gazeta Esportiva”. Pelo ringue da “Forja” passaram Eder Jofre, em 1953, e Maguila, em 1980.
Araújo treina três vezes por semana – se o trabalho deixar – na “Combat Sport”, localizada no 5º andar de um edifício comercial decadente, fincado na célebre esquina da Ipiranga com a São João, no centro de São Paulo. Um dos últimos redutos da “nobre arte” na capital, a academia aperfeiçoa promessas do boxe há mais de 20 anos. Emparedada entre um cinema pornô e uma lojinha de bugigangas, a porta de entrada não deixa claro que dali saíram vários campeões da “Forja”.
Aiuri Rebello
Atletas disputam assalto em campeonato amador de boxe
Atletas disputam assalto em campeonato amador de boxe
Os treinadores - Quem comanda os treinamentos na Combat é Denivaldo Soares, de 58 anos, 38 deles “vivendo o boxe 24 horas por dia”. De baixa estatura, com as palavras “Boxe” tatuada no antebraço esquerdo e “Nocaute”, no direito, Soares gosta de repetir que tem uma luva cerrada no lugar do coração. Quando jovem, foi sparring (nome do lutador que, nos treinos, simula lutas com um profissional) de Eder Jofre, considerado o maior peso-galo (até 53,5 quilos) da história. Ainda hoje, Soares suporta 15rounds seguidos com os alunos sem descer do ringue. Mas faz bicos como segurança para completar a renda.
Na Era do MMA, o carro-chefe da Combat é o muay-thai, que acrescenta chutes, joelhadas e cotoveladas aos socos. “Não acho que o boxe esteja morrendo por causa do vale-tudo”, acredita Soares. “É só mais uma moda. Quando comecei no boxe, a bola da vez era o kung-fu. Depois, o karatê. Hoje é o vale-tudo, mas o boxe sempre vai existir e emocionar”.
Newton Campos, de 86 anos, presidente da Federação Paulista de Boxe, compartilha da mesma opinião. Jornalista esportivo por formação, Campos foi despachado para o Zaire pela Gazeta Esportiva em 1974 para cobrir a luta do século: George Foreman contra Muhammad Ali. Embora presida a Federação Paulista desde 1970 e seja apaixonado pelo esporte, Campos nunca subiu num ringue. “Só em sonhos”, confessa. É ele quem organiza os principais campeonatos de boxe amador do Brasil. A Federação Paulista representa 172 academias no estado e promove 1.200 combates ao longo do ano, distribuídos por cinco campeonatos. O principal deles é a “Forja dos Campeões”.
Os campeonatos - O público que acompanha as noitadas de boxe no Complexo Esportivo Baby Barioni, onde ocorre a “Forja” e dezenas de outros campeonatos, é formado por cerca de 200 pessoas que quase desaparecem nas quatro mil cadeiras da arquibancada. Em sua maioria, são familiares e amigos dos lutadores, além de idosos do bairro. No geral, o nível das lutas é sofrível, mas sempre há um combate ou outro mais animador. Com entrada gratuita e sem patrocínio, as lutas no Baby Barioni estão sempre ameaçadas de acabar. Os eventos são organizados com o dinheiro da inscrição dos atletas e com a anuidade paga pelas academias filiadas.
Aiuri Rebello
Campeonato de boxe amador no Complexo Esportivo Baby Barioni
Campeonato de boxe amador no Complexo Esportivo Baby Barioni
“É uma dificuldade terrível”, afirma Campos, que costuma usar o dinheiro da aposentadoria para bancar as competições. Para a premiação, conta com a ajuda de dois amigos. “Prefiro morrer a organizar um campeonato que não tenha premiação”, diz. Não existem prêmios em dinheiro – Campos se refere aos troféus e medalhas recebidos pelos vencedores, além do par de luvas e do protetor bucal, concedidos para o melhor lutador de cada noite.
A desorganização e desunião que marca a relação entre as diversas entidades ligadas ao boxe, contribuem para o enfraquecimento do esporte. A Federação de Newton Campos, por exemplo, concorre com a Federação de Boxe do Estado de São Paulo, criada depois que ele rompeu com a Confederação Brasileira de Boxe. Em 2009, o Comitê Olímpico Brasileiro repassou à Confederação 1,4 milhão de reais. Campos ficou a ver navios.
Apesar de existirem cerca de 1.400 lutadores amadores só no estado de São Paulo, o boxe continua a perder cada vez mais espaço para o MMA na televisão e na preferência do público. Em consequência, os campeões são cada vez mais raros. Popó, que se aposentou em 2006, aos 31 anos, conquistou o último cinturão para o país. Entre os profissionais, o maior nome do momento é Raphael Zumbano, de 30 anos, primo de Eder Jofre e integrante da família com mais lutadores por metro quadrado da história. Peso-pesado (acima de 90,7 quilos), ocupa a 14ª colocação no ranking da Organização Mundial de Boxe (OMB), uma das três mais importantes do mundo. Até o fim do ano, pretende desafiar o campeão Evander Holyfield, de 45 anos, pelo cinturão da Federação Internacional de Boxe – menos relevante. No ranking da FTB, Zumbano é o quinto do ranking.
Há pouco tempo, o boxeador fechou contrato com o empresário mexicano Ricardo Maldonado por cinco temporadas e deverá mudar-se em breve para Las Vegas, nos Estados Unidos. “Aqui no Brasil, um lutador profissional ganha 100, 200 reais por round”, conta. “Nos Estados Unidos, sobe para 400, ou até 800 reais”. Pelo menos nisso, o boxe ainda iguala-se ao futebol e ao MMA: o Brasil continua a perder seus melhores esportistas para países estrangeiros.



Nenhum comentário:

Postar um comentário